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terça-feira, 21 de junho de 2011

"DEUS", PARA O ÍNDIO


O primeiro ser humano (Ñanderu Arandu)*

"Ele é como o Adão do mito hebreu da criação,
o ser humano que sente o tempo."


POEMA DA CRIAÇÃO -(fragmentos)

A primeira manhã,(Ñanderu Arandu)*
Como uma garça ferindo com suas asas a pedra
Amanheceu voando sobre o mundo
Desde a noite antiga até os ombros
Do Grande Pai.

Ñanderuvusú passou a mão
Sobre a plumagem branca da claridade
E cobrindo o rosto
Com a espuma nascente da primeira manhã,
Chamou a seu lado o Homem,
O primeiro Homem, o Avô.

Ñanderú Mba’é Kua’á,
Ñanderú-Arandú
Oíma Ñanderuvusú-ndie.*

* (Nosso Pai que tudo sabe
Nosso Pai que sente o tempo
Já está com o Grande Pai).

– Tu que és o primeiro homem,
em ti começa o tempo
e assim como és o princípio,
também és o fim.

– O último homem
terá teu mesmo rosto
tua mesma idade
tua mesma boca cheia de perguntas …

A voz de Ñanderuvusú
Encheu o mundo de grandes suspiros.
Ñanderú-Arandú – o Homem
Que sente o tempo, o primeiro Homem –
Sentiu sob seus dedos deslizar-se
As vértebras suaves de sua idade,
Como uma tênue fera
Que lhe lambia os pés
Comendo-os quase sem sentir
Como a neblina come as pedras.

Subido no galho mais alto da árvore mais alta
Buscava a face de Ñanderuvusú,
Com seus olhos opacos,
Porém só podia ver o grande sol do seu peito
De onde o dia manava aos borbotões
Resplandecentes.

Porque assim como Ñanderuvusú
Só na obscuridade aparece,
Ñanderú-Arandu, filho da claridade,
Só de dia mostra sua presença.

Ñanderuvusú com seu assobio
Chamou aos animais e aos pássaros
Que passaram trotando e voando,
Buscando sua cor, seu próprio grito,
Suas manchas, suas guaridas, suas árvores,
Suas distintas violências.
E, na periferia do mundo,
Vestido em vapores azuis,
O Grande Tigre primitivo
De pele de céu e fogo
Dormitando os mirava passar …

Ñanderú-Arandú, sem poder evitar,
Derramou sua primeira pergunta nas mãos
Do Grande Pai Brilhante:

– Como és, Ñanderuvusú,
Como é teu rosto?

Ñanderuvusú fez então a água,
Não disse nada,
Porém as árvores e as montanhas e as nuvens
Começaram a mirar seu tamanho
Desde o alto até embaixo na água.

Quando Ñanderú-Arandú
Se encontrou com sua imagem
Se pôs a tremer, e tremendo
Mirou nascer a noite,
E no lugar do seu rosto na água,
A lua de olhos verdes e mansos.

Deus cria companheiros e companheiras para cuidar da terra


O poema da criação dos Mbyá-Guarani do Paraguai foi colhido pelo grande pesquisador Leon Cadogan, um autodidata que conhecia a língua guarani e realizou um extraordinário trabalho de coleta da mitologia deste povo. O escritor Augusto Roa Bastos baseou-se no poema original e o reescreveu numa versão livre, mais acessível ao público que não conhece a língua guarani.

1. O Deus criador está presente desde a primeira manhã ancestral, mas não consegue ficar só. Chama para estar ao seu lado, o primeiro ser humano, o avô ou avó de todos nós. Este ser humano é descrito como o ser que sente o tempo. Quer dizer, com a humanidade nasce também o tempo que significa a transitoriedade humana diante da grandiosidade do Criador.

2. A cena seguinte descreve um diálogo. Ao chamar o ser humano à existência como parceiro para cuidar da criação, a primeira ação divina é estabelecer um diálogo com seu parceiro ou sua parceira. Em ti começa o tempo, diz Deus, e o último ser humano terá teu mesmo rosto, tua mesma idade, tua mesma boca cheia de perguntas. Deus não teme as perguntas humanas. Ele até as promove. Deus cria um parceiro que não apenas lhe deve obediência, antes faz desse parceiro um perguntador incansável.

3. As descrições da primeira manhã da criação são de uma beleza insuperável. Quem conhece o amanhecer nas margens das cataratas do Rio Iguaçu, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, território original dos Guarani, parece estar assistindo ao que o poema expressa. O ser humano sente deslizar por entre os seus dedos o tempo que como uma fera lhe lambe os pés como a neblina come as pedras.

4-O dia nasce e a luz resplandece em toda sua força. Observem que o sol não é Deus, mas é como um símbolo de seu peito. O sol, na verdade, esconde a face de Deus do olhar humano. Quando o dia nasce, o primeiro ser humano, filho ou filha da claridade, da luz, sob a vigilância do Grande Tigre Primitivo (símbolo do Perigo, da Morte?), não consegue refrear a sua palavra. E derrama sua primeira pergunta nas mãos do Criador:

5– Como és tu, ó Grande Pai? – Como é o teu rosto?
O Criador não responde. Ao invés disso, ele faz surgir a água, em cuja superfície se espelham as árvores, as montanhas, os animais todos e, enfim, o próprio ser humano. Quando este vê refletida na água – pela primeira vez – a sua imagem, começa a tremer e, tremendo, assiste ao nascer da primeira noite. Para sua alegria, sua imagem se desfaz e em seu lugar aparece outra luz, a lua de olhos verdes e mansos.

Que pode significar para a teologia cristã hoje um poema como este? Seria muito esclarecedor estabelecer um diálogo com os sábios e sábias indígenas para falar da criação e da sustentabilidade desse mundo que nos foi dado.


Fontes:
Copiado do Blog "Mania de História" onde vc poderá encontrar uma belíssima explanação sobre esse tema.
Imagem:
A ARTE DOS LIVRES PENSADORES

2 comentários:

  1. Existe um parentesco genético interessante entre os Guarani e os Navajo. Ambos grupos possuem grande porcentagem do mesmo DNA mitocontrial com mutações típicas do Haplogrupo B.

    "Coincidentemente", os Navajo possuem uma tradição oral muito parecida com as lendas guaranis...

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  2. Para Anônimo:
    Creio que as "coincidências" na tradição oral se deve a observação da natureza, produzindo assim o mesmo pensar entre os índios americanos. Afinal do nascer ao por do sol eles só tem o que céu, os rios e a floresta pode lhes oferecer proporcionando um contato maior com as suas tradições que se parecem muito com as de outras tribos indígenas espalhadas pelo continente.

    ResponderExcluir

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